segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tundavala






Profunda garganta, diadema de Angola será esta montanha pedregosa e ravinosa rasgada em duas e amaciada pelo vale embrandecido na neblina.
Fenda é o nome. Imagina-se vulva fecunda.
Debruço-me medrosa, temerosa, agarrada ao parapeito e, sem parapeito, espreito a esticar o pescoço, com medo de resvalar nas pedrinhas, nas rochas e na areia fina das dunas que a emolduram àquela imensidão de queda no vazio.
Fico de respiração entrecortada, como se estivesse à beira de um orgasmo, mas não é de prazer, nem há clímax, nem prazer, só alívio quando me afasto. Quase que choro, mas disfarço o pranto que assoma por trás dos olhos porque não estou sozinha.
Mas estou avassalada e em sofrimento. Mais tarde percebo porquê. Morreu muita gente lá. Criminosos, ladrões, assassinos e opositores políticos ou, simplesmente, desafiadores e adversários, invejosos e invejados. Com um tiro na nuca e empurrados para o abismo. Bala misericordiosa de uma agonia insondável, apavorada.
Tanta beleza e tanto pavor e dor.
O diadema maculado de sangue e ossos, num panorama lunar. Cada pessoa se sente solitária e única ali.
Explorado pelo turismo…tudo é prometedor e potencial em Angola.
Saímos dali, comigo agoniada, sobressaltada. No regresso a casa, expeli tudo no início e no escatológico do meu corpo. Ajudada pela oscilação da estrada e dos seus buracos .
Ofereceram-me dois ovos de galinha que ainda não comi: medo de salmonelas. Foram os Mumuílas que encontrámos no caminho, a viver ao pé de um ribeito, numa cubata com muitas peças de gado – bois e vacas – cães escanzelados, mulheres bonitas e homens ladinos. Bébés enrolados nos panos.
Comprámos um badalo de vaca e uma fiada de missangas à «Avó». Por tudo pagámos 1.000 Kz, uma fortuninha para eles.
Só a miúda ia à escola e falava português. Mas fugiu das nossas conversas, cansada de esperar que lhe dessem uns kwanzas para autorizar um retrato fotográfico.

1 comentário:

Anónimo disse...

Querida João: escritora, artista, sensível. como te reconheço nas tuas palavras. Espero que o destino que te levou a Africa te faça sentir o que esperavas nos teus anseios na partida. Boa e grande África que só se pode amar verdaeiramente se no seu espírito pudermos entrar. Que possas sentir o amor da Terra e a frescura da chuva no teu coração. que possas ser como a água, que em tudo se adpapta e tudo ultrapassa. esta amida de sempre,
cristina vaz de almeida