segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Impressões em Fotos


Já pus fotos em todas as mensagens deste blog. E esta é a de uma vista aérea do Lubango quando nos aproximamos da aterragem, passando a cidade e gulosamente olhamos o planalto onde vamos viver nos próximos meses, anos...
Finalmente percebi que tinha que as comprimir. E, mesmo assim, desespera-se entre erros e impossibilidades de as postar no momento e repetições numa guerra contra as limitações da net.
Agradeço a ronda.

domingo, 26 de outubro de 2008

Hospitalidade no Falcons do Lubango



A caminho da Nossa Senhora do Monte fica este espaço hoteleiro com bungalows e um restaurante ao ar livre. Foi lá que ficámos quando chegámos no primeiro dia. A minha memória dessa experiência eclipsou-se porque entrei em estado de choque. Ao ver alguém a oferecer-nos o que não tinha para não nos deixarem apeados. De madrugada, as mulheres varreram o chão de um bungalow em obras, lavaram-no do pó acumulado e com uns paninhos ensopados, tentaram arrastá-lo com os pés, absorver a água com que «varreram» o solo. De madrugada. Para que pudéssemos dormir nuns colchões emprestados por cima do chão.
É a única lembrança que eu tenho.
Depois, acordei no dia a seguir ao seguinte, já na casa-clausura, com um lapso de memória. Não me lembro de nada do que fiz nesse dia que se apagou.
Já lá voltei para um jantar com música ao vivo, mas é escusado: um vazio, um buraco, um nada.
Foi no Falcons que, pela primeira vez, saboreei os famosos enchidos da região. Eu que não aprecio por aí além chouriços, salpicões e morcelas, adorei os que nos chegaram à mesa assados na brasa. Os sucos a preencher todo o côncavo da boca e garganta e a viciarem-nos para uma repetição.
Só aqui me apetece comprá-los e levar para ofertas de Natal para que possam compartilhar deste sabor jubiloso.
Chouriços e morangos fazem parte do cabaz do visitante do Lubango. Dos primeiros já comprovei a fama, só falta atestar a reputação dos morangos, pois até agora só encontrei dos ácidos ou dos moderadamente doces. Nada de esfuziante, não será a época deles.

Café Huila, ArtDoce, Kanimambo, Cascata




A existência de um lugar como o Huila Café ou o ArtDoce espanta pela modernidade no estilo decorativo (de interiores) e oferta de comidas e bebidas. É algo de dialéctico, pois nas ruas onde os encontramos, as outras lojas ou residências apresentam fachadas vetustas e os passeios têm as suas lajes levantadas, misturando-se o cimento ou a calçada com a areia e a poeira. O pavimento com o asfalto esburacado e covinhas onde os carros dão cabo das suspensões e da coluna dos passageiros, acompanha sem contraste, a diversidade do estado de conservação do bairro, da cidade do Lubango.
Passamos largas horas no café Huila, mais neste que noutros, porque fica perto do local de trabalho, podemos ir a pé quando nos fartamos de estarmos sentados à mesa e chega a hora de entrar ao serviço, sem depender de boleia do nosso Condutor. Além disso, tem net – Movinet – o que nos permite comunicar, pesquisar mas contingencialmente pois se espera quase 3 horas para mandar um email pelo gmail, e nem pensar em pôr anexos, muito menos em pôr imagens no blog. É escusado, pior que as penas de Tântalo e Sísifo.
Bom, bom no Huila é o menu com pratos como o «Pequeno almoço para quem trabalha», uma declinação do english breakfast sem cereais; os bolos de fatia que nos servem grossíssima - dá para comer metade e levar a outra para mais tarde – a deliciosa mousse de morangos e a voluptuosa mousse de chocolate.
Também há pizzas variadas, uma Tosta Huila com carne que é uma refeição, a Aquecidinha vegetariana, que é uma tosta com vegetais – pedimos ontem para retirar a cebola e juntar ananás e ficou saborosa na mesma…
Acompanhamos, mais eu, com um batido de abacate fresquinho, sumo comercial de goiaba, meia de leite ou café abatanado. E não esquecer a Megasalada de frutas – com a da época – que é realmente servida com variedade e abundância numa taça grande. Serve mesmo de única refeição.
O que custa no café Huila é a espera….Pedimos os pratos e esperamos quase uma hora para que nos chegue à mesa. O atendimento é muito simpático, mas a organização precisa de acertos. E mais, não podemos dividir a conta por pessoa, não conseguem ou o sistema não deixa que se calcule apenas o consumo de uma pessoa; a conta é dada à mesa, depois cada um se esforça mentalmente com as contas da aritmética.
Enquanto o Huila Café tem dois andares, o ArtDoce é mais pequeno, só com uma sala, mas mais luminoso. A sua única banca larga é uma tentação para o olhar com doses individuais de bolinhos de alta cozinha. É mais requintado, mais fino e…mais caro.
Não tem net, mas tem uma tomada para ligar o computador. São ambos óptimos refúgios para quando a energia eléctrica falta em casa ou no trabalho. O indicador de bateria fica repleto, alimentamos o computador e a nossa própria gulodice.
Fazia-nos falta um bocado de açúcar. Mas, agora, já andamos a abusar. O que nos resta, todavia, se não a cedência à tentação para nos compensar das largas temporadas de clausura na casa porque nos faltam meios para nos deslocarmos com autonomia?
Quanto à Kanimambo: só lá fui uma vez puxada pela especialidade promulgada pela blogosfera e conversas de variadas pessoas. Falo do bolo de arroz. Fofo. Derrete-se no palato. Esgota-se logo. Mas há também uma torta de cenoura muito macia e húmida de chorar por mais.
Gostei muito do ambiente da pastelaria Kanimambo: uma aparência de sinais de outros tempos, nostálgica, a sentir-se a saudade de todas as pessoas que pousaram lá ao longo dos anos desde a fundação. Bolos feitos à maneira antiga, das pastelarias vetustas de Lisboa. Sem requintes mas com muito sabor e verdade.
O pessoal é muito simpático e atento, e não se baralha! Perdi a cabeça e trouxe duas caixas de bolos para casa para todos nós. Cada um custa 100 Kz. E ainda se pode fazer encomendas de bolos de aniversário e outras festas.
Apetecia-me gelados, mas não havia porque a máquina está avariada, faltam-lhe peças. Alguém que lhas ofereça. É preciso manter o prestígio da casa.
Ainda não fui à Cascata, mas já me disseram que é menos interessante como café, parecendo mais tasca. Contaram-me do balcão à cervejaria e de estar também a abarrotar de bolos. Tenho que lá ir para ver por mim. Empiricamente.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Almoço no Chioco


Chioco é uma zona nos arredores da cidade do Lubango, a caminho do aeroporto, que até há pouco tempo estava coberto de mato. Hoje começam a implantar-se os musseques e as pequenas quintas com jardim de flores e árvores e arbustos de fruto, vinha, piscina.
Resulta da cobiça e oportunismo de negócio de alguns perante o estímulo do Governo em enraizar pessoas fora de Luanda estrangulada na sua densidade assimétrica.
Se alguém quiser alugar ou comprar uma casa para viver, vê-se diante de um projecto complicado: é preciso pagar um ano inteiro de renda, ou um mínimo de 6 meses, o que é incomportável.
As pessoas, de modo geral, preferem esperar e reunir pecúlio para comprar um terreno onde possam construir. E fica mais barato. Porque primeiro compram o solo, depois constróiem o anexo, onde vivem para, de perto, acompanhar a construção do resto do edifício, a sua casa de sonho.
Estar perto ajuda a controlar a obra e afeiçoa-a ao gosto do momento. E há tanto para criar, planear….
Foi no Chioco que almocei este domingo, com filho de pai colono e mãe africana, ele escritor a oferecer-nos os seus opúsculos. Lembrou-me o meu pai…esta terra tem uma seiva qualquer que alimenta prosadores e poetas.
Deslumbra os sentidos.
Degustei peixe, galinha e bife grelhado nas brasas de um pequeno assador. Acompanhamentos: kisaka (folhas de mandioca cozidas e temperadas com óleo de palma, cebola, alho, sal), arroz de legumes, quiabos refogados….hmmmmm….e muita Ngola (cerveja) e gasosa (sprite) e vinho português.
Conversa tão abundante quanto a comida com desfecho numa espécie de creme de morangos, com estes inteiros.
Lubango é famosa pelos seus «fabulosos morangos», mas estes ainda não se manifestaram plenamente deliciosos. Dizem que a época da fruta é só lá para Dezembro com uma profusão de formatos, texturas, paladares. Por enquanto, só vemos da importada nos supermercados e, na rua, a amassada pelo sol provavelmente oriunda de alguma horta regada por água barrenta, imprópria para consumo.

Eleições em Angola


Há uns dias atrás fiquei emocionada, afectiva e intelectualmente, e exprimi essa comoção, verbalmente, aos meus «clientes». Passemos aos factos: assisti, presenciei uma eleição para votar um representante de grupo dos meus clientes.
Teve direito a tudo: um auto-denominado e consentido presidente de mesa de voto, ajudantes no «recenseamento» dos indigitados, na contagem comparativa de votos perante o número de eleitores. Ainda: um «maestro» para iniciar o debate, impor um ponto de ordem, aceitar os propostos.
Incluiu um discurso de apresentação do processo eleitoral, uma defesa do acto cívico, uma rememoração dos tempos difíceis vividos recentemente, estagnados entre a guerrilha e a luta política.
Logo a seguir à verificação dos resultados, a satisfação do eleito a agradecer a confiança nele depositada.
Antes, o colectivo definiu e estabeleceu as qualidades humanas e técnicas a deter pela pessoa que merecesse representar os interesses da comunidade no papel exigido.
Assim foi, e dessa maneira se demonstrou um aprendizado colhido nos dilemas da autoridade, do poder e do reconhecimento.
E eu, que antigamente elegia, na maior barafunda de gritos e provocações, o meu candidato de braço no ar. E quando, daquela vez, me aceitei para o mesmo lugar contive a vaidade e o orgulho com um sorriso recolhidamente radioso, mas nada interactivo!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tundavala 2





Se, e quando morrer, quero tombar na Tundavala, pairando como um falcão. Sibilou forte; ouvimos o roçar farfalhudo das penas, desassossegando o nosso espírito. Atrás dele, voando com as asas largas da mente...flutuar como nos sonhos...quase a certeza da eternidade nos nossos poros, o auto-convencimento de que nos suspenderíamos no vazio e não haveria queda, tal é a profundidade destas alturas, deste fim de mundo, de terra....
Ar....leveza...éter...Totem. O ectoplasma a derramar-se do corpo, sem fim, sem limites na borda desta ravina, deste precipício, do abismo mais alto e longínquo que até agora vi.
Muito para ver ainda que não vou cair já, pois tenho um contrapeso na imaginação. Para novos limiares, é claro. A vida é incessante.

Tundavala






Profunda garganta, diadema de Angola será esta montanha pedregosa e ravinosa rasgada em duas e amaciada pelo vale embrandecido na neblina.
Fenda é o nome. Imagina-se vulva fecunda.
Debruço-me medrosa, temerosa, agarrada ao parapeito e, sem parapeito, espreito a esticar o pescoço, com medo de resvalar nas pedrinhas, nas rochas e na areia fina das dunas que a emolduram àquela imensidão de queda no vazio.
Fico de respiração entrecortada, como se estivesse à beira de um orgasmo, mas não é de prazer, nem há clímax, nem prazer, só alívio quando me afasto. Quase que choro, mas disfarço o pranto que assoma por trás dos olhos porque não estou sozinha.
Mas estou avassalada e em sofrimento. Mais tarde percebo porquê. Morreu muita gente lá. Criminosos, ladrões, assassinos e opositores políticos ou, simplesmente, desafiadores e adversários, invejosos e invejados. Com um tiro na nuca e empurrados para o abismo. Bala misericordiosa de uma agonia insondável, apavorada.
Tanta beleza e tanto pavor e dor.
O diadema maculado de sangue e ossos, num panorama lunar. Cada pessoa se sente solitária e única ali.
Explorado pelo turismo…tudo é prometedor e potencial em Angola.
Saímos dali, comigo agoniada, sobressaltada. No regresso a casa, expeli tudo no início e no escatológico do meu corpo. Ajudada pela oscilação da estrada e dos seus buracos .
Ofereceram-me dois ovos de galinha que ainda não comi: medo de salmonelas. Foram os Mumuílas que encontrámos no caminho, a viver ao pé de um ribeito, numa cubata com muitas peças de gado – bois e vacas – cães escanzelados, mulheres bonitas e homens ladinos. Bébés enrolados nos panos.
Comprámos um badalo de vaca e uma fiada de missangas à «Avó». Por tudo pagámos 1.000 Kz, uma fortuninha para eles.
Só a miúda ia à escola e falava português. Mas fugiu das nossas conversas, cansada de esperar que lhe dessem uns kwanzas para autorizar um retrato fotográfico.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Serra da Leba





Foi o nosso primeiro passeio fora da rotina de trabalho-casa. Já sufocávamos. Saímos sem saber para onde íamos. O nosso Condutor é assim. Lembra-me o pai de uma amiga que nunca comunicava à família o destino do passeio de domingo. Ela sabe…
Fomos assim, ignorantes, saídos da caverna (a nossa clausura) encadeados pela luz, pelo fogo do conhecimento de uma terra por nós a desvendar.
Vou esquecendo os pormenores abafada pela sucessividade de informação ou por uma letargia na qual me recolho para camuflar um desconforto por falta de solidão voluntária.
A estrada de curvas, maravilha de engenharia, não parece ser tão assustadora quanto as fotografias panorâmicas da Internet, pelas quais ia tomando conhecimento da paisagem da Huila. Vista de perto. Mas, conduzir lá é um exercício de perícia e atenção. O que custa quando se quer devorar o horizonte.
Nesse dia regateámos, muito pouco, a tal múcua e comprámos uma faca de mato feita pelo rapaz que a trazia pendurada a tiracolo. Não a comprei eu. Lembrava-me outros artefactos que tenho em casa, antigos, dos meus pais.
E recordo a cara de espanto do rapaz (mucubai?) atónito perante o interesse do pula no seu singelo utensílio, mas seduzido pela expectativa de alguns kwanzas de rendimento. Não sabia ou não queria falar português. Quem negociou por ele foram os amigos mais poliglotas.
Estranho, nem todos aqui falam português numa família. Mas há sempre alguém que vai ou foi à escola e por isso consegue comunicar connosco, resgatando oportunidades exógenas.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Meninos lindos de Angola





Em Luanda não vi ou não me lembro porque o tempo que lá estive, dois dias, ficou escamoteado na minha memória em virtude das vicissitudes da adaptação.
No Lubango vejo: todos os dias os meninos lindos de Angola a irem e a virem da escola agarrando uma cadeirinha de plástico do seu tamanho, mais a sacola. Para se poderem sentar a ouvir a lição. Todos os dias. De todas as cores.
E os que não vão ouvir o professor ou a professora a ensinar a contar, a ler e a escrever, ficam nas bermas dos passeios empoeirados, a cheirar a fruta que as mães vendem, a brincar às lutas uns com os outros, a verem os carros – de Hummers a lambretas sem faróis – a passar, sempre a passar em direcção a algo, a parar num engarrafamento porque uma rua está cortada.
Cheiro a gasolina e cheiro a terra. E os polícias sinaleiros, firmes e raramente aflitos, vestígios de outros tempos, sempre os mesmos no cruzamento do bairro Lucrécia.
Há sempre muitos meninos ao pé de uma cisterna, com uma manivela por onde muita gente puxa água. E lojas em musseques, que distinguimos de casas comuns porque têm desenhos com risco certo a indicar, mesmo com a imagem concreta, que se vende pão ou um corte de cabelo, sorvetes ou se concerta um pneu.
Artistas…

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mephoquina


Não sei se é coincidência, e vou observar com espírito científico na próxima semana, para comprovar a relação e a regularidade, mas de cada vez que tomo Mephoquina durmo mal e fico agoniada.
Ou serão resquícios da indisposição da Tundavala?

Maboc e Luengo




A que sabem as frutas? No Lubango, dizem-nos que só para Novembro é que a fruta abundará. Nos supermercados, agora, só encontramos da importada. Na rua, há nacional, posta em cestinhos em cima de pedras ou mesinhas periclitantes e apregoadas por vendedeiras com os filhos segurados em lenços às costas. Mais que maduras por causa do sol. Mas nós não compramos porque receamos os preços para Tugas. Vamos pedir aos nossos amigos angolanos para fazerem as compras nos circuitos tradicionais assim que recebermos. Vamos dar quase uma pensão.
Sinto necessidade de fruta. Anteontem pedi a chamada Megasalada de frutas do Café Huila, uma enorme taça colorida com cubos de mamão, abacate, triângulos de ananás e rodelas de morango ou pedaços da fruta que houver na altura. Custa 450 kz mas vale a pena pela diversidade, colorido e suculência.
Sem açúcar!
Maboc e Luengo, comprei a uma vendedora de rua em Luanda. A primeira é esférica, casca lisa, cor grená. Abre-se com um golpe de faca e, com a língua e os dentes arrancam-se os alvéolos de semente com uma carne alaranjada à volta e a sangrar de um sumo amarelo agridoce e fresco. Parecido com o maracujá mas de sabor mais cheio. A segunda, é semelhante a uma ameixa oblonga de pele roxa aveludada. Quase um abrunho, mas mais denso e espesso no recheio, também uma mescla de doce e amargo. A pele, de preferência, rasga-se para se atingir a polpa, e não se come porque é ácida.
E faltam mais frutas para provar. Sinto-me nos pomares do Eden.

Rotinas e Ritmos






Quando me diziam que em África se acordava a horas que na «Metrópole» são consideradas de madrugada, eu achava que esse despertar era um sacrifício em prol do cumprimento de um dia de trabalho.
Mas que nada.
É um prazer abrir os olhos às 6h da manhã, ou antes, num quarto inundado de luz porque não há persianas e a primeira paisagem que se vê é a serra onde se encastoa a estátua do Cristo-Rei. Tive sorte com a minha linha do horizonte. Não sei se, em termos geomânticos, estou bem deitada, com a cabeceira para a parede e os pés para essa obra sacra, mas levanto-me sempre deliciada.
Corro para a casa-de-banho para tomar um banho rápido a temperar constantemente as temperaturas, porque a água corre sem força e quando há um rival noutro chuveiro, ela bate repentinamente fria ou subitamente quente. Normalmente, rivalizo no momento do banho com o Condutor. Somos os que acordamos mais cedo neste casarão.
Depois, das 8h e pouco até às 10h trabalho com vontade ao computador. Para lá das 10h já custa: o corpo queixa-se da imobilidade desconfortável e nada ergonomónica e do calor que se instila pela cozinha até então fresquinha.
Não adianta fugir para outros compartimentos. Sufoca-se de calor nas outras divisões também porque não há resguardo nas janelas. Estamos desvendados aos vizinhos e aos transeuntes. É o nosso aquário.
Começam a acordar os outros, a levantar-se e a partilhar este tampo de mármore. A concentração dissipa-se.

Falta de Luz






Algo a que nos habituamos mas não resvala na nossa indiferença. Instala-se um sentimento de urgência e precipitação. Olha-se com mais frequência para o indicador de bateria dos computadores, sob pena de nos distrairmos e perdemos trabalho porque não o gravámos.
Lanterninha ao lado para subirmos para o quarto sem bater em nada ou sem pisar algo repugnante: uma barata…brrrr.
Está sempre a faltar a luz, por minutos ou por horas em diferentes momentos do dia e da noite. Quando não há luz, não há água porque ainda não se comprou o gerador. Sem gerador não se puxa água.
Sem luz, sem água, as actividades «empresariais» cessam. Com pena minha que até debaixo de um imbondeiro, sob a sua sombra e roubando-lhe os seus saborosos frutos, trabalharia. Outras formas de percepção que não se coadunam com as exigências de imagem de uma instituição e com as expectativas de bom serviço por parte dos seus clientes.
Os frutos do imbondeiro chamam-se Mucua. São pequenos gomos triangulares secos de cor branca, com uma textura macia que envolve uma pequena semente redonda. Deixamo-los a derreter, enrolados na língua, amaciando-se gradualmente num gosto de citrino.
Pode-se fazer gelado de múcua. Ainda não fiz, nem provei. Comprei-os no caminho para a Serra da Leba a um rapazito meio desnudo de olhos intensos e cansados.

Sinfonia de Trovoadas



Já me tinham falado do cheiro da terra molhada em África. Incomparável. Agora já sei. Nada resiste a este barulho da chuva. Nem os outros sons, abafa-os. Só ouço o estrépito do meu coração avassalado pela força dos elementos. Pus tango a tocar, uma Milonga Triste para a contradança desta sinfonia de trovoadas e relâmpagos.
Tudo parou, actividades «empresariais» suspensas porque chove dentro da sala e ninguém se ouve entre si.
E agora, quando é que posso ir buscar uma garrafa de água à Sodispal? Estou com sede e ainda um pouco agoniada dos solavancos do passeio de sábado à Tundavala. Fica para outra mensagem.
Todos os outros fugiram da chuva e eu ainda fui lá para fora 30 segundos, para depois me escapulir também porque apanhei com toda a poeira levantada e tive receio de entrar em transe e ir viajar para o céu agarrada na cauda de um raio.
Apetecia-me descalçar-me, até porque os sapatos abertos de nada protegem e invadir o terreiro de jacarandás cercano. Depois, como é que ia trabalhar a pingar água e lama?

domingo, 12 de outubro de 2008

Movinet ou Unitel?


Não há meio de conseguir postar fotos ou filmes aqui no blog, nem de os conseguir enviar pelo gmail. Todo o poder da net se esvai.
Emprestaram-me uma Movinet. Consigo escrever, mas espero eternidades para abrir sites e fazer downloads. Parece que voltei ao passado dos anos 90 em Portugal quando se desesperava perante o pontilhado ondulante de imagens e textos que se revelavam aos poucos nos monitores. Ia fazendo outras coisas. Aqui a opção é igual.
Hei-de experimentar a Unitel.
Qual é melhor?

Chuvadas no Lubango






Hoje choveu no Lubango. Nem 1 minuto. Bátegas grossas e relâmpagos. Estava à espera de ver uma cortina a chegar como na Guiné. Mas o horizonte da cidade recorta a visão. Pelo menos refrescou.

No ano passado choveu pouco e os ribeiros estão baixos. Mas eles não deixam de lavar os carros com água barrenta dos regatos e, depois, puxam-lhes o lustro. Apesar da poeira, os carros estão impecáveis.
Tenho uma mosca a picar-me a paciência. Tive que lhe dar um safanão. Não me largava o braço. E esta era pequenina. Há umas gigantes que zumbem atroadoras logo pela manhã.
Partilhamos o espaço com uma série de bichos nada temerosos: baratas, salamandras, mosquitos, abelhas, vespas, gafanhotos....
As baratas passeiam na nossa cisterna. Ainda temos mais dois latões verdes que hoje vieram abastecer. Água, só bebemos engarrafada da Serra da Chela. Saborosa. Mas, a seguir, cozinhamos com água do baratal.
Contradições...ehehehe.
Amanhã recomeça o trabalho. Custa muito estar dependente do condutor. A alternativa é andar a pé, mas é difícil porque não conhecemos os trajectos e está muito calor.
Com tempo...
Por enquanto, o olhar é desmesurado no avistamento da paisagem, dos pormenores, do colorido, das pessoas....porque tudo é diferente, estranho, excitante.
Dividimos as nossas obrigações com sortidas aos supermercados Marivel e Lueje para nos abastecermos com muita disciplina porque é tudo muito caro. Só uma vez bebi leite verdadeiro desde que estou aqui. Optámos pelo leite em pó Nido porque rende mais. O nosso luxo é ir tomar café, comer tostas e pizzas ou beber um batido de abacate no café Huila ou no café ArtDoce. O primeiro fica na rua Ex-Pinheiro Chagas, diz mesmo assim na factura.
Estou a morar no bairro de Santo António, donde avisto o Cristo Rei. E tenho que atravavessar uma ponte mais uns minutos de caminho para chegar ao Clube Ferroviário, perto do local onde trabalho.
Sinais de todos os outros tempos subsistem nidificando uma avidez por visitar tudo e mais alguma coisa, só que não dá. O condutor diz que as coisas não saiem do lugar e que há tempo para essas actividades, agora os interesses da instituição pairam acima dos gostos pessoais. Ele tem razão, mas a emoção tem razões que a razão desconhece e eu sou concupiscente na obervação e contemplação de parte das minhas raízes que até agora vi de longe e rápido. É uma injustiça!